segunda-feira, 31 de março de 2008

A minha primeira ronda...


Em plena sexta feira santa ficou combinada a minha primeira ronda, pela Legião da Boa Vontade. De pois de estar-mos todos os oito presentes, por volta das 9:30, no centro social da associação, pusemos mãos ao trabalho!
Uns carregavam o prato, nas grandes panelas rectangulares (rancho desta vez), outros cortavam os pães e barravam-nos com manteiga, outros separavam os bolos, eu escolhia as tangerinas e as maças, e outros ainda enchiam então os sacos com todos estes alimentos para fazer os kits.
Cada kit levava um bolo, dois pães com manteiga, duas tangerinas e duas maças.
Carregámos todos os kits para a carrinha da Legião, carregámos a pepsis, a água e a roupa e cobertores de que dispunhamos nesse dia.
Era uma equipa em que nem todos se conheciam, como eu, que era a minha primeira vez, mas todos trabalhavam cheios de vontade e entusiasmo.
As roupas que iríamos levar eram oferecidas, tanto directamente à legião, como angariadas pelos voluntários que nesse dia faziam ronda.

Estando tudo pronto, pusemos os nossos coletes que identificam os voluntários da legião e demos todos as mãos. Rezámos um pai nosso e desejámos a todos uma boa ronda. Iria começar a noite!

Decidimos as tarefas de cada um e enfiámo-nos dentro da carrinha.
Joaquim, o "manda chuva" que me trouxe para estas andanças, seria o condutor.
O sara seria a secretária que teria que registar tudo o que era distribuído.
A teresa e o victor, um casal fantástico, estariam na distribuição da comida, e a dona Rosa iria ajudar nessa tarefa.
A cátia e eu ficaríamos na roupas, e o outro Joaquim ficaria a "controlar os ambientes".

Começámos então o que para mim era algo de novo. Fomos percorrendo a lindíssima cidade do Porto à noite, pelas ruas e avenidas principais que de dia estão cheias de via e de pessoas...agora de noite mostravam toda a miséria e pobreza que bela se tentava esconder.

Desde Santa Catarina, aos Aliados, passando pela Areosa, Marquês, Praça da República, Santo Ántónio e Lima Cinco. Todas as ruas eram passadas a pente fino, toda agente tinha os olhos bem atentos para ver se avistava algum sem abrigo que pudessemos ajudar naquela fria noite com um cobertor e um prato de comida.

Além dos sem abrigo, tinhamos alguns locais já rotineiros, onde se parava sempre. Locais onde se junta a população mais carenciada, não só os sem abrigo, como também, toxicodependentes, prostitutas, ou pessoas que vivem em condições precárias.

O "ritual" nas zonas carenciadas era então. A carrinha parava e saia toda a gente, excepto as duas meninas da roupa (nós). As pessoas responsáveis pela distribuição de comida iam para a zona de trás e preparavam-se para distribuir a comida. A sara e os joaquins também se colocavam perto da carrinha para ajudar.
Primeiro era distruída a comida, isto é, o prato, água ou pepsi, e o kit alimentar.
Depois de comerem, as pessoas vinham à janela da carrinha e pediam as peças de roupa que precisavam, ou uma camisola e umas meias, ou um casaco e umas calças...
Depois a sara ainda distrubuía pentes, champôs, geis de banho, cotonetes, giletes (amostras de hotel) e kits de preservativos.

Acabado uma zona, toca a arrumar a roupa que estava toda espalhada de tirar-mos as peças para fora, para as pessoas verem e escolherem, e toca a entrar todos na carrinha de novo.
A sara secretária aponta os kits de comida e roupa distribuída e logo arrancamos para outra zona.

Com os sem abrigo era diferente. Mal via-mos um a dormir por baixo de uns cartões ou cobertores pedia-mos ao joaquim para parar e ia-mos lá oferecer um cobertor, uma parto de comida e um kit!
É incrivel ver as condições em que algumas pessoas vivem, é uma miséria, uma tristeza e um sofrimento. Mas enquanto estamos afazer voluntariado, não nos podemos deixar afectar, embora por vezes dê vontade de chorar e de questionar o mundo em que vivemos, a nossa função naquele momento é tentar fazer o que está ao nosso alcance. É dar um pouco de nós, é contrubuir de alguma forma e saber que por pouco que façamos, já é alguma coisa, e para alguns é muito mais do que possamos imaginar.
Nós, que já não sabemos viver sem tv, telemóvel, pc e outros bens materiais, -mos as condições em que estas pessoas vivem, que dependem de terceiros para se vestirem e para comer...e temos vontade de dar aquilo que temos e aquilo que não temos!

Houve situações que me marcaram, pelo caricato da cena:
Uma prostituta de cerca de 60 anos queria um soutiã e ao ver aqueles que ia-mos mostrando para escolher, começou a mostrar o que trazia, mas não uma nem duas, nem tres vezes, mas cinco. "Ò menina não vê que eu tenho mamas?..acha que cabem aí? *****"...hehhehe!

Mas outras alturas houve em que foi preciso ter muito sangue frio, para não deixar cair as lágrimas:
Um dos sem abrigo estava a dormir dentro de um banco, para se manter mais quente coitado, e tivemos que ir buscar um cartão multibanco para conseguir oferecer-lhe a comida e roupa.

Vimos jovens de 15, 16 anos a viver na rua, cheios de frio e vimos-lhes a felicidade estampada no rosto, apenas por lhe dar-mos mais um cobertor.

Um casal de jovens que não tinham mais de 21 anos,e que eram novos na rua, ela estava grávida...e isso chocou-me. Imagino que tenha sido posta na rua pela mãe, mas não sei. Na altura de pedir a roupa pediu umas calças e eu perguntei depois se também queria uma camisola,ao que em respondeu "mas não é só uma peça para cada um?"...aí deu-me um nó na garganta, mas continuei como se nada fosse "não, calro que não, leva camisola, e o que mais precisar!".

Um casal de sem abrigo que dormiam num túnel, depois de ir-mos lá levar-lhes a comida e os cobertores, despediram-se a atirar beijos e com um sorriso de gratidão enorme nos lábios...

E é a sensação de ajuda, de ser importante para alguém, de sentir-mos que com o pouquinho que damos podemos fazer a diferença que nos despedi-mos uns dos outros eram já 3:30 da manhã..cansados mas felizes.
Espero ansiosamente pela próxima, foi uma equipa espectacular, que permitiu um trabalho excelente.

2 comentários:

Sérgio Santos disse...

Raquelinha,
PARABÉNS! Já tínhamos falado sobre estas tuas actividades mas estas descrições fazem-nos mesmo pensar não 1 nem 2, mas várias vezes sobre os valores da vida!!!
Continua...

Beijinho gde!

raki disse...

Obrigada amigo...sei que quando lês aquilo que escrevo sentes aquilo que sinto.
Beijo grande e obrigada pelo carinho.